O operário em construção

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Com prefácio e seleção de Sérgio Buarque de Hollanda. Segue o poema-título:Era ele que erguia casasOnde antes só havia chão.Como um pássaro sem asasEle subia com as casasQue lhe brotavam da mão.Mas tudo desconheciaDe sua grande missão:Não sabia, por exemploQue a casa de um homem é um temploUm templo sem religiãoComo tampouco sabiaQue a casa que ele faziaSendo a sua liberdadeEra a sua escravidão.De fato, como podiaUm operário em construçãoCompreender por que um tijoloValia mais do que um pão?Tijolos ele empilhavaCom pá, cimento e esquadriaQuanto ao pão, ele o comia...Mas fosse comer tijolo!E assim o operário iaCom suor e com cimentoErguendo uma casa aquiAdiante um apartamentoAlém uma igreja, à frenteUm quartel e uma prisão:Prisão de que sofreriaNão fosse, eventualmenteUm operário em construção.Mas ele desconheciaEsse fato extraordinário:Que o operário faz a coisaE a coisa faz o operário.De forma que, certo diaÀ mesa, ao cortar o pãoO operário foi tomadoDe uma súbita emoçãoAo constatar assombradoQue tudo naquela mesa— Garrafa, prato, facão —Era ele quem os faziaEle, um humilde operário,Um operário em construção.Olhou em torno: gamelaBanco, enxerga, caldeirãoVidro, parede, janelaCasa, cidade, nação!Tudo, tudo o que existiaEra ele quem o faziaEle, um humilde operárioUm operário que sabiaExercer a profissão.Ah, homens de pensamentoNão sabereis nunca o quantoAquele humilde operárioSoube naquele momento!Naquela casa vaziaQue ele mesmo levantaraUm mundo novo nasciaDe que sequer suspeitava.O operário emocionadoOlhou sua própria mãoSua rude mão de operárioDe operário em construçãoE olhando bem para elaTeve um segundo a impressãoDe que não havia no mundoCoisa que fosse mais bela.Foi dentro da compreensãoDesse instante solitárioQue, tal sua construçãoCresceu também o operárioCresceu em alto e profundoEm largo e no coraçãoE como tudo que cresceEle não cresceu em vão.Pois além do que sabia— Exercer a profissão —O operário adquiriuUma nova dimensão:A dimensão da poesia.E um fato novo se viuQue a todos admirava:O que o operário diziaOutro operário escutava.E foi assim que o operárioDo edifício em construçãoQue sempre dizia simComeçou a dizer não.E aprendeu a notar coisasA que não dava atenção:Notou que sua marmitaEra o prato do patrãoQue sua cerveja pretaEra o uísque do patrãoQue seu macacão de zuarteEra o terno do patrãoQue o casebre onde moravaEra a mansão do patrãoQue seus dois pés andarilhosEram as rodas do patrãoQue a dureza do seu diaEra a noite do patrãoQue sua imensa fadigaEra amiga do patrão.E o operário disse: Não!E o operário fez-se forteNa sua resolução.Como era de se esperarAs bocas da delaçãoComeçaram a dizer coisasAos ouvidos do patrão.Mas o patrão não queriaNenhuma preocupação.— “Convençam-no” do contrário — Disse ele sobre o operárioE ao dizer isso sorria.Dia seguinte, o operárioAo sair da construçãoViu-se súbito cercadoDos homens da delaçãoE sofreu, por destinadoSua primeira agressão.Teve seu rosto cuspidoTeve seu braço quebradoMas quando foi perguntadoO operário disse: Não!Em vão sofrera o operárioSua primeira agressãoMuitas outras se seguiramMuitas outras seguirão.Porém, por imprescindívelAo edifício em construçãoSeu trabalho prosseguiaE todo o seu sofrimentoMisturava-se ao cimentoDa construção que crescia.Sentindo que a violênciaNão dobraria o operárioUm dia tentou o patrãoDobrá-lo de modo vário.De sorte que o foi levandoAo alto da construçãoE num momento de tempoMostrou-lhe toda a regiãoE apontando-a ao operárioFez-lhe esta declaração:— Dar-te-ei todo esse poderE a sua satisfaçãoPorque a mim me foi entregueE dou-o a quem bem quiser.Dou-te tempo de lazerDou-te tempo de mulher.Portanto, tudo o que vêsSerá teu se me adoraresE, ainda mais, se abandonaresO que te faz dizer não.Disse, e fitou o operárioQue olhava e que refletiaMas o que via o operárioO patrão nunca veria.O operário via as casasE dentro das estruturasVia coisas, objetosProdutos, manufaturas.Via tudo o que faziaO lucro de seu patrãoE em cada coisa que viaMisteriosamente haviaA marca de sua mão.E o operário disse: Não!— Loucura! — Gritou o patrãoNão vês o que te dou eu?— Mentira! — disse o operárioNão podes dar-me o que é meu.E um grande silêncio fez-seDentro do seu coraçãoUm silêncio de martíriosUm silêncio de prisãoUm silêncio povoadoDe pedidos de perdãoUm silêncio apavoradoComo o medo em solidãoUm silêncio de torturasE gritos de maldiçãoUm silêncio de fraturasA se arrastarem no chão.E o operário ouviu a vozDe todos os seus irmãosOs seus irmãos que morreramPor outros que viverão.Uma esperança sinceraCresceu no seu coraçãoE dentro da tarde mansaAgigantou-se a razãoDe um homem pobre e esquecidoRazão porém que fizeraEm operário construídoO operário em construção.

Book Details

Pages 112
Language PT
Import Source Skoob
Created At January 30, 2025
Updated At July 25, 2025

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