variações enigmáticas

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https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1209200223.htm"VARIAÇÕES ENIGMÁTICAS"Aos 80, Autran tem a memória afetiva do homem solitárioSERGIO SALVIA COELHOCRÍTICO DA FOLHAPaulo Autran fez 80 anos na semana passada e se deu um belo presente, a peça "Variações Enigmáticas". Traduziu e estreou um texto na medida de seu carisma e inteligência. Eric-Emmanuel Schmitt, do primeiro time francês, combina a precisão e a crueldade das "vivisseções" realistas de Strindberg ao humor nonsense de Feydeau.Autran faz um escritor cínico e egocêntrico, que se refugia em uma ilha para fugir a um grande amor. Quando decide publicar as cartas que trocou durante anos com esse amor, recebe a visita de um jornalista que promove um acerto de contas com o passado.É fascinante ver como Autran põe o público no bolso, conduzindo sua atenção por um roteiro minucioso de ações físicas, reagindo a cada palavra do antagonista com um desvio no olhar, uma irritação nas mãos, que contradiz a aparente segurança de suas falas irônicas. Tem memória afetiva para a solidão do homem famoso que tem que responder às mesmas perguntas; na sua interpretação marcante, dá a impressão que está falando de si mesmo.Dizer que estabelece um jogo de gato e rato é injusto em relação a Cecil Thiré. Mais justo seria dizer gato e cachorro, segundo imagem do próprio texto: a fidelidade da consciência sã burguesa contra o maquiavelismo felino intelectual, em um jogo de gangorra que a cada passo dá uma nova leitura ao que já foi dito. Cecil não teme o ridículo e ganha a platéia pelo patético, na dinâmica das variações de Elgar, que tingem a trama com a melancolia e o mistério.A direção de José Possi Neto tem a suprema elegância de permanecer invisível, deixando a ribalta para o jogo dos atores. Dada a excelência das condições, poderia cogitar correr um risco maior, fazendo a sensualidade do escritor transbordar às vezes o seu racionalismo. Mas isso não importa. Aos 80 anos e na plena posse de sua arte, com um parceiro à sua altura, Paulo Autran segue exercendo o privilégio único de ser quem é. O presente é nosso.Literatura Estrangeira