Uma voz vinda de outro lugar

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About this book

Na linguagem musical, anacruse é o termo que designa a ausência de tempos no primeiro compasso de uma música. É, de uma forma mais simplista, o tom surdo que antecede e inaugura a duração de uma composição musical. O escritor, filósofo e teórico literário francês Maurice Blanchot (1907-2003) utilizou-se do termo para batizar o conjunto de ensaios sobre a poesia de Louis-René des Forêts, que, reunido com outros textos, sobre o filósofo Michel Foucault e os poetas René Char e Paul Celan, compõem o inédito Uma voz vinda de outro lugar, que chega às livrarias pela Rocco, responsável pela recente reedição de dois outros títulos do autor francês, os clássicos A parte do fogo e O espaço literário.A escolha do termo não é por acaso. Blanchot usa temas da linguagem musical para pontuar suas considerações sobre a urgência do ser humano em expressar aquilo que pensa e/ou sente. Em um primeiro momento, através dos poemas de Forêts, ele nos apresenta o silêncio que propicia o pensamento, a palavra. E recorre a Hegel para sondar o enigma do “começo” (anacruse), sobre o qual Forêts ensina “É a dor de nascer a mais lancinante”. Essa “dor extrema” Blanchot a identifica como sendo a dor de deixar de não ser, lembrança que persiste até o final hegeliano, a “morte reparadora”. Mas Forêts não renuncia à voz indagadora da criança, que sobrevive e combate o niilismo da fase adulta, e que, mesmo sendo “ilusória como um sonho”, preserva “em si algo que dura”.Da poesia de René Char, Blanchot interessa-se pela contingência da palavra. O autor traz à baila o profundo humanismo de Sócrates, que não admitia um discurso que não viesse atrelado ao indivíduo, não passando o registro escrito de um apêndice ao conhecimento que nasce da frescura do pensamento filosófico. Aterrorizava-o o “silêncio inumano” da escrita, que beira o inescrutável das potências divinas. Surge então Heráclito, para restituir à palavra o seu valor, confirmando seu caráter profético, mas compreendendo-a aquém da imponência sobrenatural apontada por Sócrates: “O Senhor cujo oráculo está em Delfos não exprime nem dissimula nada, mas indica.”.Em Paul Celan, o autor detecta a necessidade de falar, como se desse ato dependesse a própria vida/morte sustentada pela palavra. “Não leias mais – olha!/ Não olhes mais – vai!”, advertem os versos de Celan pinçados por Blanchot, em um movimento em que a palavra – que em um momento é voz – se transforma nos olhos que apontarão o caminho a se tomar, embora esse caminho não leve a lugar algum.Cético em relação à psicanálise, o Michel Foucault imaginado por Blanchot reconhece a dificuldade de mapear, através do discurso, esses caminhos percorridos pelo homem, seja nos acontecimentos históricos ou sociais, seja no fio conduzido pela filosofia. Negando o racionalismo esquemático do estruturalismo, que engessa a compreensão do ser humano na prancheta dos signos, Foucault declara – lembra Blanchot – que jamais escreveu outra coisa que não fosse ficção, expondo seu desdém à arrogante objetividade do conhecimento científico.Tanto em sua aproximação de Foucault quanto em todas as falas retratadas em Uma voz vinda de outro lugar, Blanchot coleciona a vertigem e a estranheza que se experimenta ao tentar atender a esse chamado, esse silêncio que convida. É de Samuel Wood, alter ego de Forêts, que o autor colhe “O próprio silêncio diz mais sobre si do que as palavras”, ele próprio advertindo que mesmo assim “falemos, pois não temos outros instrumentos além das palavras”.

Book Details

ISBN13 9788532526939
ISBN10 8532526934
Pages 160
Language PT
Import Source Skoob
Created At February 5, 2025
Updated At April 18, 2025

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